domingo, 20 de dezembro de 2009

PORTUGUÊS ARCAICO DO SÉCULO XVII

Os textos abaixo foram extraídos das Obras de Amaro de Roboredo da sua Gramática de latim, para o desapercebido, parece que o texto abaixo esta em latim, mas não é não, é português mesmo, falado e escrito por volta de 1600. A leitura abaixo é interessante para que possamos fazer uma comparação sobre o português do passado e o falado hoje e assim possamos perceber a evolução da língua. Este fenomeno não ocorre somente no Português, mas em todos os idiomas:


A diligencia, que algüs teverão em acrescentar a Grammatica para que não ficasse diminuta, teverão outros em a diminuir, para que não fosse superflua (…). Fugindo pois extremos quanto pude, elegi do muito, o necessario, & de muitos o melhor, mais breve, & facil (Roboredo 1615: “Prologo”, ¶ 3 r.).

Por se não saber primeiro a língua Materna per arte, vão na Latina Mestres, & Discípulos morrendo com ambas juntas (…). Pode ser que seja eu o primeiro, que rompa o mato da minha Materna, como melhor soffrerem suas muitas irregularidades; exposto aos encontros de muitos que quererão defender suas Orthographias, cujas raizes ignoradas serão patentes na Grammatica: Et nos manum ferulae subduximus (Idem 2007: “Prologo”, b. 1v. [18])

Facil fora screver a arte em latim, mas absurd[u]m est scientiam simul, & modum scientiæ quærere, di[z Ari]stoteles, & Soares acerca do mesmo lugar (Ibidem: f. 64 v.);

Ninguem aprende hoje grammatica pelas que stão scrittas em latim, por mais que o discipu[lo] quebre a cabeça repetindo infinitas vezes o que não [ent]ende, senão da boca do mestre, que tambem quebra a [su]a em lhe querer meterna memoria as significações das p[a]lavras, & o conceito das regras (Ibidem: f. 65 r.).





O methodo he o mais facil, que me occorreo, ainda que largo por tocar com clareza cousas novas, & satisfazer a velhas, sem o que não seria a novidade bem acceita: porque o que stà acqui[rido em] boa fee per longo tempo, hedifficultoso deixar em breve: porq o discípulo decòre soomente os artigos apontados com esta dicção, Discipulo, & o mestre explique os que mostra esta, Mestre, para que fiquem entendidos: porq nem o discipulo deve decorar tudo, nem a arte ser falta delle (Idem 1615: “Prologo”, ¶ 3 r.).


O trabalho empregarà na muita explicação de livros, em que consiste tudo, & dos quaes aprendemos hoje a lingua Latina. Donde primeiro se ha de resolver, que compor: & logo hüa, & outra cousa reciprocamente, porque o que não sabe traduzir em lingua materna a oração, que o mestre lhe resolve em suas partes naturaes, [não sa]be traduzir a materna na latina, nem mutilala confo[r]me o uso, nem inteirala conforme a Grammatica (Ibidem: “Prologo”, ¶ 3 r.).

E por ser [a] primeira arte das liberaes, pareceo bem fazer com ella po[…]ria aas duas seguintes, para que a proporção de […]e ellas facilite ao principiante a aprensaõ. Se ao orador pois da a a Logica para a sua oração, invëção, & disposição, & a Rhetorica o ornamëto, tãbë ao grammatico para a sua lhe offerece esta arte as primeiras quatro [divi]soës de [i]nvenção, & as cinquo seguin[t]es de disposição, & [a] ultima para ornamento com [a] variedade de decli[n]ações, & figuras. E se algüs Rhetoricos meterã[o] na disposição a memoria, também lhe responde o artigo terceiro da divisaõ [qu]inta, onde começa nossa disposição. E se no fim de […] [tra]ttão a pronunciação daoração, tambem no fim do nosso ornato trattamos a pronunciação da dicção, & per conseguinte da mesma oração: la como orador, aqui como grammatico (Ibidem: “Prologo”, ¶ 4 r.).

A muitos, q se sabem não sa[be]m sair do que studarão, não pude bem per¬suadir a brevidade deste methodo: porem não faltando o trabalho do mestre(deixando ingenhos tam excellentes, & laboriosos, que em seis meses esgo¬tarão a Grammatica) os que em dez, ou doze a não perceberem, ou andao distrahidos, ou não studão, ou não teem ingenho natural para esta (Ibidem: “Prologo”, ¶ 3 v.);

O intento de tudo, não he publicação de nome vão em cousa tal, & que qual¬quer melhor fezera, mas o proveito do proximo a quem lembro se deseja grammatica, que se aproveite, & ao censurador, que antes da sentença leèa as repostas das objeições, que vão no fim: & se determina examinar affeito ao que studou, ou leo, não passe dàqui, porque vai o juizo suspeito, & [tu]do lhe descontentara: soomente fique sabendo, que [s]e pode per este caminho saber em hum anno, o que [per o]utros em tres, & quatro, no cabo dos quaes fi[c]ão os [stu]dantes sufficientes para começar, perdendo gastos[, g]astando tempo irrecuperavel (Ibidem: “Prologo”, ¶ 4 r.).

Participou este Methodo o aborrecimento do outro tambem apressado diri¬gido sô aa Latina, em que não fiz mais que provar a pena, & juntamenteas mordeduras. Porque lhe chamarom confuso, deminuto, instavel; nemquerião que se intitulasse verdadeiro, ainda que de sua verdade constasse. Arguião per hum dos argumentos de sua Logica, que he Enthimema de ante-cedente calado, assi: Eu não entendo este Methodo; logo elle não presta.O Antecedente por lhe tocar calarão: o Consequente por perjudicar, publicavão (Idem 2007: “Prologo”, a 2 r. [11]).

A diligencia, que algüs teverão em a[c]rescentar a Grammatica para que não ficasse diminuta, teverão outros em a diminuir, para que não fosse superflua, que discursos de mortaes carecem de [c]onsistencia. Fugindo pois extremos quanto pude, elegi do muito, o necessario, & de muitos o melhor, mais breve, & facil a quem imito. Este hè o Doutor Francisco Sanchez, a qu[e]m tambem seguirão os reformadores de Nibrissense no anno de nouenta, & oito, se elle não foi o principal (Idem 1615: “Prologo”, ¶ 3 r.).

As concordias, regencias, & partes da oração, & outras regras, ainda que em parte pareção fora do uso, saõ fundadas em philosophia: & assi servem para as outras linguas Grega, Hebraica, &c. Que não he pequeno atalho, pois soo com declinar, & conjugar advertindo as particularidades, que teverem de genero, & preteritos, se podem perceber, despois [da L]atina (Ibidem: “Prologo”, ¶ 3 v.).



As artes de accentuar, medir, & metrificar saõ tão conjuntas aa Grammatica, que muitos as fazem partes della: porque de concordar, & reger dicções, a entoalas, & medilas ha pouca distancia; assi como da oração solta aa ligada. Porem não saõ partes da grammatica, porque a Accentuaria he arte de entoar syllabas, & dicções, tem por fim hüa dicção bem entoada: a Mensuraria hè arte de medir syllabas, & dicções per pronunciações temporaes; seu fim hè a dicção bem medida: a Metrifica ensina a medir versos, tem por fim a oração ligada com certas m[e]didas, & certo numero dellas: a Accentuaria respeita a [or]ação solta, & rhythma: Mensuraria o pee, & metro: a Me[trifi]ca o verso, poema, & poesia, como fiïs remotos (Roboredo 1615: f. 48 v.).

GRAMÁTICA

O Gramático do século XVII, Amaro de Roboredo já dizia que gramática era coisa pouco desinteressante e que as pessoas tendem a se ocuparem com outras coisas:

Por ser a Grammatica materia de pouca consideração, se não devem occupar os qu[e te]em carrego pu[bli]co de ensinar, & como sufficientes para cousas maiores se empregão nellas, como s[ão] Philosophia & Theologia, que levão atras si o entendimento. Porem algüs considerando os incommo[dos …] os mal entendidos, deixando maiores occupações […] odirão, descobrindo de entre terra suas raizes, & de entre toscos accidentes sua sustancia, como forão Cæsar Scaligero, Sanchez, Martinez, & outros que a deixarão tãto, maisperfeita, quanto a natureza mais imitada (…). E de taes autores, o que melhor me pareceo, sigo, cujas opiniões, se boas, não deviam perder por serem refe-ridas per hum rude: nem as de outros se falsas, melhoraremse por seremgavadas per muitos (Ibidem: ff. 57 r.-57 v.).